sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Depoimento do Fundador do MOSES Sergio Viula.


Olá amigos, reproduzo abaixo o depoimento do fundador de um dos mais tradicionais grupos de reversão atuantes no Brasil, a entrevista foi publicada no blog do Sérgio e autorizada pelo mesmo a reprodução aqui.

Sérgio tem uma rica experiência de vida e no que diz respeito à religião e homossexualidade, ele é um mestre! Estudou Teologia, foi pastor batista, missionário e professor de seminário. Nesta fase, casou, é pai de dois filhos e fundou o Movimento pela Sexualidade Sadia (MOSES) junto com João Santolin. Trabalhando no MOSES, aos poucos foi percebendo o quão falaciosa é a tentativa de ser o que não é e, então, rompeu com tudo. Separou da esposa, saiu da igreja, deixou de ser pastor e assumiu sua homossexualidade. Concedeu uma bombástica entrevista à revista Época, revelando-se e também revelando a falácia do MOSES. Tornou-se ateu. Hoje é professor de inglês, estudante de Filosofia na UERJ, é dono do blog "Fora do Armário" e vive feliz ao lado do seu amor, Emanuel.

Para muitos cristãos fundamentalistas, Sergio é um desertor; para mim, Sergio é um profeta. Na entrevista que segue, Sergio compartilha conosco sua experiência de vida e visão de mundo.

Sergio, como aconteceu sua adesão à fé cristã e qual foi o ápice dessa trajetória?

Eu me converti na Igreja Missionária Evangélica Maranata durante um culto realizado no auditório da A.B.I. (Associação Brasileira de Imprensa). Depois de muito insistirem, dois amigos meus finalmente conseguiram me convencer a ir ao culto. Fui duas vezes, e na segunda vez entreguei-me publicamente a Cristo. Tinha apenas 16 anos de idade, mas levei tão a serio a decisão que rapidamente subi na hierarquia da igreja. Fui professor de EBD, líder de mocidade, missionário com a Operação Mobilização. Mais tarde, saí da Maranata e fui para outra igreja pentecostal, onde continuei trabalhando arduamente no ministério. Quando percebi que esta igreja desviara-se do que considerava bíblico, migrei para a Igreja Batista (CBB). Já havia me formado no Seminário Teológico Betel, no qual também lecionei. Fui ordenado pastor. Trabalhava como editor do jornal Desafio das Seitas, que era administrado pelo Centro de Pesquisas Religiosas (CPR). Fiz duas pós-graduações em missiologia no Seminário Teológico Betel em parceria com o Fuller Theological Seminary dos Estados Unidos. Fiz um Seminário de Liderança Avançada pelo Instituto Haggai em Cingapura. Este foi meu último grande feito como crente. Nenhum destes ministérios, porém, foi mais INÚTIL para o bem da humanidade do que o MOSES (Movimento pela Sexualidade Sadia), do qual eu fui um dos fundadores em 1997.

Você foi um dos fundadores do MOSES [Movimento pela Sexualidade Sadia] que prega a conversão de homossexuais em heterossexuais. Como foi o processo até você entender que essa conversão é uma falácia?

Diversas coisas aconteceram para que eu pudesse despertar do sono dogmático em que me encontrava. Primeiro, fui percebendo que eu mesmo - a despeito de toda fé e dedicação - não experimentara nenhuma mudança real. Depois, passei a prestar atenção à vida das inúmeras pessoas que nos procuravam e passavam pelos aconselhamentos, retiros, orações etc. Nenhuma delas havia mudado de fato. Só sabiam sofrer com a tensão entre o que diziam os fundamentalistas cristãos e o que desejavam de coração. Várias pessoas se envolveram com pessoas que estavam no MOSES. Várias vezes presenciei confrontações entre a liderança do MOSES e gente que havia transado com amigos conhecidos no ministério. Além daqueles que transavam fora e traziam suas histórias aos prantos para as sessões de aconselhamento.

O MOSES hoje me parece em declínio, não ouvimos mais falar de ações desta instituição. Você atribui isso a quê? Muitos pensam que sua entrevista à revista Época, naquele tempo, foi um duro golpe na instituição.

Certamente que a minha denúncia foi um divisor de águas. Não é todo dia que um homem com 18 anos de crença e ministério, fundador de um grupo de "reversão", pastor de uma igreja respeitada, com vasta experiência ministerial, vem a público e denuncia as falácias de uma organização e crença deste tipo. Os próprios crentes passaram a desconfiar daquela organização. Não só isso, mas entre a própria liderança já havia aqueles que se perguntavam por que as pessoas não mudavam realmente. Devem ter visto em tudo isso um ponto final para a pergunta. Porém, sempre há os saudosistas e não me admiraria se alguém retomasse o nome desta organização e sua proposta.

Sair do armário é um duro processo! O título do seu blog é "Fora do Armário", e diz muito sobre a sua atual condição existencial. Como foi esse processo de sair do armário para você e para a sua família?

Foi duro. Fui perseguido por meus pais e irmãs, minha ex-mulher, incompreendido por "amigos", etc. Meus filhos foram surpreendentemente maduros, apesar de tão novos. Nunca deixaram de me amar e querer estar comigo. Deixei minha casa e tudo o que havia dentro dela nas mãos da minha ex-mulher por causa dos meus filhos. Comecei tudo do zero de novo. Arrumei novo emprego, porque a escola na qual lecionava estava nas mãos de gente da igreja batista, e a convivência ficou insustentável. Nunca me arrependi de ter saído do armário. Fui em frente. Batalhei. E por isso progredi para um emprego melhor, consegui minha casa própria, conheci Emanuel (com quem estou casado hoje), passei a morar perto dos meus filhos (que estão com minha mãe atualmente), meus pais passaram a aceitar a realidade e se dão bem comigo e com Emanuel atualmente. Estou colhendo a tranquilidade que plantei no meio da maior tempestade que enfrentei na vida. Valeu a pena!

Pesando tudo isso, apesar das lutas internas e externas, valeu a pena? O que você diria para alguém que deseja muito sair do armário, mas ainda não encontrou forças para isso?

Sair do armário vale a pena! É muito melhor viver 100% na autenticidade com relação à sua homoafetividade do que "de dia ser Maria e de noite ser João", como cantava o Chacrinha. A pessoa nem é realmente heterossexual e nem vive plenamente sua homossexualidade. Quando a gente é resolvido e assumido, a chantagem, a ameaça, as acusações indiretas e coisas semelhantes perdem totalmente o efeito. Você assume o controle de sua própria vida e desejo. Se tiver que mudar tudo para viver plenamente, mude! Eu mudei de emprego, de endereço, de amigos, mas ganhei qualidade de vida, tranquilidade e as condições necessárias para me realizar plenamente.

O ateísmo que hoje você professa é fruto de um processo de entendimento acerca da religião, sua natureza e papel social, ou reação emocional, portanto, reativa, a tudo o que você viveu na igreja evangélica? Como você de cristão passou a ateu?

Tudo isso junto. Compreendi que - essencialmente falando - o cristianismo não está em posição melhor do que qualquer outra religião atual ou antiga. A religião egípcia, grega, cananita pode ser encarada até como superior em alguns aspectos. Qual é o fundamento seguro, ou seja, evidente e infalível que me garante que Deus existe, ou que a Bíblia é uma revelação divina, ou que o céu existe, ou que o inferno seja real? Como saber seguramente que Jesus e não Maomé ou Buda é o caminho, a verdade e a vida? Quem me garante que Jesus - se existiu de fato - não foi meramente um judeu, inconformado e ressentido com os dominadores da época, que acabou sendo mitificado por seus seguidores como ainda hoje acontece com aqueles que inspiram os desesperados. O próprio Inri Cristo que vive no sul do Brasil e alega ser a reencarnação de Cristo tem seus seguidores. Pode parecer uma comparação ridícula, mas só soa ridícula, porque a carga emocional que cerca a figura de Jesus hoje é muito forte. Imagine como seria visto o Inri Cristo daqui a algumas décadas ou séculos se pudesse contar com todas as forças políticas, sociais e econômicas que levaram Jesus a se tornar o messias de milhões pessoas do lado de cá do mundo. Haveria quem acendesse fogueiras em nome dele! Emocionalmente falando, entender que não preciso dar contas a deus nenhum me liberou para ser eu mesmo e fazer de mim o melhor que eu possa. Se por um lado eu não tenho um fustigador celestial, por outro não tenho um onipotente provedor. Isso me libera para ser e fazer muito mais da vida! Deus não existe para cobrar, mas também não existe para dar nada. Não existe medo e nem esperança inútil. Restam a determinação em fazer da vida uma obra de arte e a ação prática na realização desta empreitada!

Como você analisa este fenômeno social das igrejas inclusivas?

Acho excelente que os homossexuais crentes tenham onde se reunir e cultuar. Não sou contra o culto. Apenas não cultuo. Entretanto, gosto mesmo é da postura de igrejas como a Comunidade Betel em Botafogo. É uma comunidade engajada na luta pelos direitos dos homossexuais, que gosta de pensar e não tem medo de idéias confrontadoras. Fico muito preocupado com as "igrejas-clone" de igrejas homofóbicas que apenas encaram a homossexualidade de uma forma positiva. Gay-friendly não significa sempre certo. Uma igreja simpatizante dos homossexuais que anestesia seus membros com doutrinas e práticas que os isolem da realidade social e política que os circunda não é diferente de qualquer outra, no que diz respeito à luta pela emancipação plena do cidadão homossexual.

Algumas igrejas históricas como Anglicana, Luterana (nos EUA) e Presbiteriana (na Escócia) estão reconhecendo a homossexualidade como algo natural. Tais igrejas já ordenam pastores e pastoras homossexuais e celebram os ritos de casamento. No seu entendimento enquanto teólogo, o que está acontecendo nestas igrejas é fruto do trabalho cada vez mais relevante da militância LGBT ou os teólogos resolveram admitir publicamente que a Bíblia não condena a homossexualidade?

A militância tem grande mérito nisso. As igrejas chamadas inclusivas estão assustando por seu crescimento - o que significa que muitas igrejas da ala tradicional estão perdendo membros. Eles são obrigados a parar e refletir sobre isso. Os teólogos muitas vezes pensam coisas diferentes daquelas que a maioria dos pregadores dizem em seus púlpitos. Saber que eles estão revendo seus conceitos é uma boa nova. Já houve tempo em que negro só se reunia em igreja de negro nos EUA. Isso é segregação. Quero ver o dia em que gays não tenham que frequentar e ministrar somente em igreja de gays. No dia que isso acontecer, podemos dizer que a segregação por orientação e identidade sexual é coisa do passado. Espero viver para ver.

Religião e política tem andado de mãos dadas no nosso país. O Brasil assinou um acordo bilateral com o Vaticano nos últimos meses e só cresce o número de políticos evangélicos. Nossos espaços públicos são cheios de imagens e ícones do cristianismo. O Estado Laico ainda é um sonho?

O Brasil é uma piada em diversos sentidos. Somos constitucionalmente laicos, mas na prática o sacerdócio dá muito palpite na vida pública. Qualquer pessoa pode professar a religião que quiser. Ateus também deveriam ser mais claros em relação ao seu ateísmo. Existe um armário para os ateus também. Ateus precisam assumir tranquilamente suas idéias. Isso faz diferença. Agora ninguém pode usar cargo político para favorecer grupos religiosos ou agremiações de qualquer espécie. Foi isso o que Édino Fonseca tentou fazer em 2004 e a Revista Época denunciou através da minha entrevista. Isso tem que acabar. Isso também é uma forma de corrupção. O Estado Secular de Direito é melhor, porque garante mais direitos para todos, inclusive para os religiosos. O dia em que uma religião tomar o poder, todas as outras estão perdidas. Vejam os exemplos históricos da Europa, do Oriente Médio e do Sul da Ásia.

As eleições estão chegando e, pelo atual desenho eleitoral, teremos duas mulheres que, embora façam parte da esquerda, são evangélicas e concorrerão para importantes cargos no Executivo. Falo da senadora Marina Silva e da atual vereadora Heloísa Helena. Você votaria em evangélicos ainda que de esquerda?

Dificilmente. A maioria dos crentes faria qualquer coisa para preservar aquilo em que crê. Isso é perigoso. Por outro lado, o fato de alguém ser ateu não garante que será bom governante. É preciso ver as propostas e o passado político de cada candidato(a). O próprio Barack Obama que tantas expectativas alimentou vem sendo alvo da crítica do movimento homossexual americano por não estar realmente fazendo avançar a luta pela conquista de direitos civis em território americano. É muito difícil acreditar nos políticos. Os homossexuais já foram massa de manobra nas mãos dessa gente por tantas vezes que já não dá para apostar em nenhum deles.

Estamos chegando ao fim de dois mandatos do presidente Lula e até o presente momento nenhuma lei que contemple a população LGBT foi aprovada no Congresso Nacional, ainda que a base do governo do "Brasil sem Homofobia" seja majoritária. Muitas palavras no papel e pouca ação efetiva? Analise.

É exatamente o que acabei de dizer. Se o Lula que é o presidente com maior aprovação popular e com aliados por todos os lados não fez nada de concreto no que diz respeito a mudar essa legislação heterossexista que está aí, como podemos acreditar que uma candidata do partido dele fará? Ele nem tem a desculpa de estar esperando o segundo mandato, como parece ser o caso de Obama. Ele já está apagando as luzes de seu gabinete, mas não acendeu nenhuma no fim do túnel dessa história de apatia política para com a comunidade gay brasileira.

Recentemente, uma travesti foi surrada publicamente por policiais na Parada Gay de Penedo, nas Alagoas. Em São Paulo, Marcelo Campos foi assassinado e uma bomba de fabricação caseira foi atirada contra gays. Somente no ano de 2009, segundo as estatísticas do Prof. Luiz Mott, já contamos com 108 assassinatos de homossexuais. No seu entendimento, a homofobia tem crescido ou tem mostrado a sua cara na medida em que os LGBTs saem da invisibilidade?

Está ficando mais evidente, mas sempre existiu. Todavia, não podemos recuar. O nazismo lançou mais de 300 mil homossexuais à morte em seus campos de concentração, além dos que saíram de lá para morrer aqui fora em conseqüência dos mau tratos. Não havia movimento gay na Alemanha para defendê-los até então. Hoje temos o privilégio de estar organizados e podermos falar e agir contra a violência homofóbica. Não podemos recuar. Devemos ser apenas mais cautelosos nessas concentrações, porque nem tudo é festa. Aliás, essa é uma luta política. Muita gente gay não tem noção disso. Quando falamos em direitos, falamos de vida, liberdade, segurança. Ser visível é o primeiro passo, mas não é o único. Talvez os homossexuais precisem fazer mais pressão. Mas como é que homossexuais enrustidos podem colaborar com isso? É preciso ser assumido para poder colocar a boca no trombone sem medo de ser visto por fulano ou sicrano. Gente enrustida não pode fazer isso, a menos que queira sair do armário em grande estilo. Por isso, sair do armário é muito mais do que um luxo reservado só para alguns. É dever de todos os que desejam uma sociedade melhor assumir seu desejo, orientação e identidade.

Como combater a homofobia internalizada e a social?

A homofobia internalizada tem que passar por uma transvaloração dos valores. O indivíduo tem que repensar seus pressupostos "morais", religiosos, sociais. A homofobia social deve ser combatida com campanhas educativas e com legislação rigorosa contra os agressores, seja verbalmente ou fisicamente.

A verdade realmente liberta?

A verdade liberta! Mas só deve ser entendido por verdade aquilo que possa ser evidentemente demonstrado e que se aplique a todas as situações daquele mesmo tipo em qualquer tempo e lugar. Por exemplo, não é verdade que a homossexualidade seja pecado, apesar de muita gente achar que isso seja verdade. Para aqueles que pensam ser verdade que a homossexualidade é pecado, a "verdade" é escravizante, porque não é VERDADE, de fato. Neste sentido, a VERDADE liberta. Quando o indivíduo perceber que a homossexualidade é universal, apresentando-se em mais de 300 espécies animais, perpassando toda a história da humanidade, sendo característica de gente que produziu muito mais do que a média no campo das artes, da política, da filosofia, da ciência, essa pessoa vai ser liberta da ignorância, do dogma escravizante. Neste sentido, verdade equivale a conhecimento verdadeiro. E o conhecimento (não a fé) realmente liberta! Transforma! Fecunda a vida! Vale a pena reavaliar o que se pensa e ousar pensar diferente e agir diferente quando se percebe que tudo não passava de um profundo e doloroso equívoco.

Entrevista dada ao Márcio Retamero, 35 anos, teólogo e historiador, mestre em História Moderna pela UFF/Niterói, RJ. É pastor da Comunidade Betel do Rio de Janeiro - uma Igreja Protestante Reformada e Inclusiva -, desde o ano de 2006. É, também, militante pela inclusão LGBT na Igreja Cristã e pelos Direitos Humanos. Conferencista sobre Teologia, Reforma Protestante, Inquisição, Igreja Inclusiva e Homofobia Cristã. Seu e-mail é: revretamero@betelrj.com.

3 comentários:

SERGIO VIULA disse...

Obrigado por publicar essa entrevista.

Abração,
Sergio Viula
Blog Fora do Armário: www.glsgls.blogspot.com

Anônimo disse...

Não precisa ir longe para descobrir a desonestidade e tendênciosidade desesperada de vocês, quando afirmam que ele foi O Fundador, enquanto ele afirma ter sido
"...um dos fundadores em 1997."

Não dá prá confiar em Gay, até Clodovil reconhecia isso. São tão desunidos...

Mas, ainda tem geito prá vocês. Um abraço,

Marcelo Dourado.

Unknown disse...

Marcelo Dourado, gostaria de saber se ele por ser um dos 3 fundadores tira o mérito dele ter sido o fundador, tanto ele quanto os outros 2 foram fundadores do MOSES. O fundador fulano, o fundador ciclano e a fundadora beltrana. Onde está a desonestidade?
Mentimos em algum ponto?
Seriamos desonestos e tendenciosos se cortassemos a parte da entrevista onde fala que ele foi um dos fundadores e deixasse somente o título como está.

Qnto aos gays serem desunidos, o que isso tem a ver com o mérito da questão?

Os heteros são mais unidos? haha
E os evangélicos? Uniiiiiidos!

E pra vc ainda há jeito de aprender escrever essa palavra corretamente, do mais, guarde seu rancor e recalque para você mesmo.

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